Fonte: TRF 2ª Região.
TRF AUMENTA PENA DE EMPRESÁRIO CAPIXABA QUE DECLARAVA R$ 1 DE PATRIMÔNIO AO IMPOSTO DE RENDA
A 1ª Turma Especializada do TRF-2ª Região aumentou a pena imposta pela primeira instância de Vitória a um empresário capixaba que declarava ao imposto de renda patrimônio pessoal de R$ 1, mas que chegou a movimentar R$ 24 milhões em contas correntes de que era titular. De acordo com a sentença de 1º grau, o empresário deveria cumprir quatro anos e seis meses de reclusão por crime contra a ordem tributária, mas o TRF entendeu pela elevação da pena para 7 anos, 10 meses e 15 dias de reclusão, em razão de o réu ter agido “com dolo premeditado e ostensivo, do momento em que se conduziu anos a fio sonegando tributos, adotando a postura de, além de praticar o crime, fazê-lo mediante expediente que consistiu em declarar patrimônio no valor de R$ 1, enquanto possuía enorme disponibilidade econômica e sobre a qual não pagava o imposto”, como declarou, em seu voto, o relator da causa, desembargador federal Abel Gomes. A decisão da Turma foi proferida no julgamento de apelações criminais apresentadas simultaneamente pelo Ministério Público Federal (que pediu o aumento da punição) e pelo empresário (que pretendia o trancamento da ação penal).
Segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal, o acusado, que atuaria como lobista no Espírito Santo, chegou a fazer uma doação de R$ 800 mil para a campanha eleitoral do ex-governador José Ignácio Ferreira em 1998. Considerando o limite legal para esse tipo de doação – 10% dos rendimentos brutos obtidos no ano anterior à eleição – o réu deveria ter auferido ganhos de, pelo menos, R$ 8 milhões de reais no período. No entanto, na declaração de imposto de renda relativa a 1997, ele informou renda de R$ 37.606,43, sendo R$ 34.997,43 rendimentos isentos e não-tributáveis e R$ 2.608,98 sujeitos a tributação exclusiva, por serem ganhos de aplicação financeira. De acordo com a Receita Federal, a sonegação acumulada de 1996 até 2000 totaliza R$ 5.860.888,40.
A defesa do réu alegou que a denúncia do MPF não poderia ter sido oferecida em juízo antes da decisão definitiva no processo administrativo que tramitou na própria Receita Federal. Disse ainda que o fisco não poderia ter lançado os depósitos e débitos efetuados nas suas contas bancárias como receita não declarada, como fez. Ainda para a defesa, não seria cabível considerar movimentação bancária como acréscimo patrimonial.
Os argumentos do empresário capixaba foram rebatidos pelo relator do processo, desembargador federal Abel Gomes, em um extenso voto, de 23 páginas. Para ele, não se sustenta a alegação de que o processo administrativo tem de estar finalizado para que possa ser iniciado o processo penal, já que o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que o Ministério Público Federal pode oferecer denúncia a qualquer tempo, desde que tenha comprovada, por outras vias, “a materialidade, definitivamente constituída, do crime contra a ordem tributária”. No mesmo sentido, o desembargador contestou, em seu voto, a alegação de que o STF entenderia que a constituição definitiva do crédito tributário pela Fazenda seria condição objetiva de punibilidade do crime. Na verdade, ponderou, o réu é passível de punição, nos termos do Código Penal, desde que não haja dúvidas quanto à materialidade e à autoria do crime: “Afinal de contas, um crime se consuma quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal, conforme o artigo 14, inciso I do Código Penal”.
A esse respeito, o magistrado ressaltou que a materialidade do crime está provada nos documentos anexados aos autos, como a representação fiscal apresentada pela Receita Federal que dá conta da doação de R$ 800 mil para a campanha do ex-governador José Ignácio. O documento também demonstra a atuação do réu como lobista em uma malfadada operação financeira que resultou em um rombo de R$ 5 milhões para o Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes), em 1995. O valor corresponde ao empréstimo obtido pela empresa Interamerican Trade Financial Services Ltda., e avalizado pelo banco capixaba, junto ao banco inglês Singer and Friedlander. O dinheiro serviria para a montagem de uma fábrica de réplica de automóveis antigos. Acontece que os bens dados em garantia foram adquiridos poucos dias antes de a operação ser formalizada e não alcançavam sequer 20% do valor do aval. Também constam do processo informações levantadas com quebra de sigilo bancário, nas quais se verifica que os depósitos em contas correntes do empresário capixaba superaram R$ 24 milhões.
O desembargador Abel Gomes destacou, ainda em seu voto, declaração que o acusado fez à imprensa de Vitória, na qual afirmara ter fortuna para comprar o que quisesse: “Compro as roupas que quero, o relógio que me agradar, o sapato que eu gostar, as pessoas que quero comprar, como onde quero e durmo onde me der vontade. Estou num ponto satisfatório da minha vida. Não há nada que eu queira fazer que eu não posso”, disse. Para o relator da causa, diante de tais afirmações, suas declarações de imposto de renda nas quais informa patrimônio de R$ 1 demonstram “o caráter extremamente doloso da conduta, beirando as raias do cinismo, corroborando as conclusões de que o acusado sonegou parte dos milhões de reais que passaram por suas contas bancárias pessoais no período narrado na denúncia”.
Por fim, o magistrado ressaltou a existência de agravantes no caso. O artigo 59 do Código penal estabelece que o juiz deve aplicar a pena, levando em conta a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e conseqüências do crime, bem como o comportamento da vítima. Com isso, o relator ponderou, ao determinar a elevação da pena, que o acusado agiu premeditadamente e que ele revelou "traços de arrogância na condução de sua vida em sociedade".
Proc. 2000.50.01.006037-2